Tudo o que vale a pena não está aqui.



Todos os santos


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Remember me (?)



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Cumpria-se uma tradição antiga,
e eu passei a data; as velas alinhadas
numa geometria de saudade certa,
pranto contido no xaile das velhas,
esperando e esperando e esperando
enquanto a cera derretia, lembro-me da chuva.
E eu passei a data,
um dia que mais tarde será esquecido,
há coisas que se evitam; as flores de plástico,
cobertas do pó dos últimos meses
e de uma determinada vontade de adiar o esquecimento -
não vou forçar o tom e dizer que a memória
é um vaso de flores artificiais, derrubado pelo vento.

Há alguma combativa ternura na visita obrigatória:
ano após ano a data marcada, reger o calendário
pelo choro - e que diferença existiria entre a minha mãe
enfeitando a pedra dura que esmagava os ossos do meu avó
e a esforçada indiferença que se desarticulava
à noite, quando me julgava vigiado
pelo olhar quase cego
de um morto?

Eu passei a data, será certo
demarcar num poema o território da lembrança?
Deduzir da ausência um sentido,
subtrair a tudo o que não disse o que poderia dizer,
a alguém que afirme: não amas.
Mas amo, e calo no interior de um verso
o ritmo da visita: manhã cedo,
roupas pretas, lenço na cabeça, a viagem de carro,
nevoeiro frio e as agulhas dos abetos cobrindo as avenidas
da lamentação, numa curva o lugar desejado,
as almas ardem sobre a pedra, e nem a chuva,
nem o coração pesado dos filhos, dos pais, das mulheres,
apagam o movimento do fogo à passagem da carne ainda viva.

Eu passei a data; que data não irei passar, o círculo da memória?

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