Passei no lugar, o lugar;
Não havia restolho de folhas
Ladrar de cão, sombra verde
Na água, pés lambidos pelo frio.
O lugar: o rasto do avião,
Percorrendo um espaço largo
Até ao horizonte, o olhar
Adivinhando possíveis trajectórias.
Móvel, o tempo desenha,
Munido de sarcasmo e desprezo,
Os números que me farão desaparecer:
Os anos, alguns, desde que o damasqueiro,
Entrado no declínio da carcoma,
Acabou derrotado, pelo chão.
As décadas, desde que o meu pai
O plantou, os meses que demorou a despontar,
Anos a crescer até suportar o meu peso
E o dos frutos pendendo dos ramos
Finalmente fortes, troncos espessos escorrendo
Visco onde se colavam os meus pés frios.
A mão que o semeou
Soube-o cortar, nódulo após nódulo,
Até restar do tempo
A madeira que serviu para alimentar o lume.
Passei então pelo lugar,
A imagem estabeleceu um ponto cego,
Num passo, e no passo seguinte,
Desvaneceu – os meus pés tocaram no chão,
E o damasqueiro era apenas um amontoado
De lenha, preparada com desvelo para a queima;
Depois, um rêgo estreito por onde agora corre a água,
Terra, sedimentos, membranas,
Rebentos de um resto que há-de vir,
Quando eu não estiver ali, no lugar.
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