No outro dia estive para perguntar à minha mãe
Se a casa ainda vivia; a casa, o corredor escuro,
Os quartos de um lado, do outro, a escada que dava
Para a arrecadação e a eira aos fundos, no canto da cozinha,
As duas espingardas sobre os pregos, por cima da lareira,
O nicho a meio caminho, a cómoda coberta de renda branca
E o relógio que nem sempre batia à hora certa,
Assombrando os serões de Inverno e a minha infância.

Calei-me a tempo; não lhe perguntei se a concha frágil
Em que a casa se tinha tornado, anos depois do abandono,
Era já ruínas, cacos velhos, entulho fertilizando o solo.
Talvez seja - imagino - a marca das fundações
Ou território imaginário, apenas se podendo ler
Em livros no notário, tantos e tantos metros herdados
Pelos filhos, pelos netos, por algum latifundiário
Que consiga comprar o esquecimento.

Terão as paredes sido finalmente tomadas pela figueira?
A figueira, crescendo da casa, e o chão sujo do sangue
Dos frutos esmagados pelos pés das crianças na estação mais doce.
Contornando o pátio, as raízes, serpentes de Medusa enterradas
Na lama seca, corroíam os alicerces rasos dos currais –
O cimento levantado pela força de uma árvore e pela espessura do tempo,
Discreto modo do engenho humano provar que será sempre derrotado.

Noite alguma entra na luz viva do alpendre,
Quando o avô pega em alguns fios de junco
E entrelaça entre os dedos uma cadeira ou uma boneca,
Na expectativa de que eu me recorde, num futuro branco,
Desse momento em que, entre observação e escapismo,
Esperava. A casa desapareceu, e a luz com ela,
E serve de muito pouco descrevê-la a partir do fio ténue
Ao qual agora me seguro – longe, observando
As ruínas de onde não poderá ser resgatada a infância.

Portanto, calo-me, e não sei,
E mais tarde recolho a dúvida a um rosário
Inútil: este poema.

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