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O que restaria da infância


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O que restaria da infância
se houvesse uma solução para a vida,
um método de acertar os ponteiros com os ritmos
diários, alto e baixo, vaivém contraditório?

Cada intervalo é um filme caseiro
mal projectado, imagens curtas
de felicidade, vislumbre de movimento
sobreposto na luz, fantasma na tela suja da realidade.

Do meu canto, de onde observo
a trapaça, sou talvez mais que presente.
A ilusão agrada-me, sempre gostei de cinema;
quando brandia a espada dúctil da imaginação

nunca fui poeta ou sonhador; apenas vilão.
Golpes cegos, acelerações, geometrias fugazes
de um bailado pouco ágil, que digo:
brincadeiras de criança, que agora passam em contrariada reprise.

E ainda falta tanto para as horas previstas de duração.
Lamentar a direcção do tempo, desconfio, pouco sentido faz,
e acrescentar lamentos e recriminações à fórmula
apenas contribuirá para a sua rápida combustão.

Um pouco como nos primeiros tempos do cinema,
quando a um gesto em falso dos projectistas,
a tela se tornava um entardecer de Turner.
Estou reduzido a reciclar as memórias,

transformá-las, por meios de uma alquimia de subúrbio
degradado, em imagens evocando outras imagens,
mais perfeitas, que nem se tivesse direito
a mil infâncias conseguiria algum dia repetir.

Como poderei eu mansamente retirar-me
do lugar de onde nunca fui expulso?

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