O psicanalista deixou de prescrever anti-depressivos;
Quando o visita, semana sim, semana não, ela
já não leva na mala o coração;
é assim, as coisas mudam, e aquela troca
de palavras regular que sobrevivia do silêncio
entre cada voz, passou a ser
estática no prédio do vizinho, quando à noite
ela se abandona ao negrume de uma vida
apostada entre liberdade e solidão.
Era a sua companhia, e o facto de o saber
declina uma sombra mais clara sobre a amargura,
mas nem por isso deixa de ser uma faca
de dois gumes, o conforto; saberia ele
que ela julgava não ter conserto,
sonhava alto com metáforas débeis de bonecas partidas
e o lugar comum da salvação?
O psicanalista deixou de a acompanhar
no cortejo quinzenal dos sítios tristes; uma
ou outra vereda de infância, o rapaz que a rejeitou
sob a nespereira, os gatos que a encontravam
no covil debatendo com deus a inutilidade de tudo.
Deus ou o psicanalista, o que escolhes?
Silêncio estendendo-se na noite, silêncio,
silêncio, um labirinto preso de silêncio.
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