A mesma certa intimidade
do lugar vazio na cama. Atravessar o vidro
como a luz, cair no vinco frio
em que floresce a memória derrotada de um amor.
Da cozinha vem o cheiro a manhã,
e o ruído doméstico da colher na chávena;
lembro-me dos dias antigos; a colher na boca,
a forma da colher sustendo o peso
de um verso; agora, a colher controla
apenas a densidade do açúcar, o metal frio
bate na cerâmica e desperta-me das palavras que,
fosse eu mais sábio, deveria ter esquecido há muito.
A colher porosa deixa passar a água aquecida,
o espaço silencioso entre a mesa de cabeceira
e aquele dia em que os cinco dedos de uma mão
não chegaram para cobrir um corpo.
A luz inscreve-se no silêncio que reata
o jogo do engate, um verso tão bom
como um olhar demorado, e por momentos
é possível. O grão do café prolonga-se na boca.
Nenhum vazio se demora nesta casa.
Etiquetas: Poemas