Todo o homem precisa de um ofício,
emprego estável e cândida dedicação ao futuro,
entregar-se a uma saudável rotina e confiar
na mulher que fica em casa a guardar.
Todo o homem partirá,
e regressará na linha quebrada dos transportes,
ignorando o fim de tarde e os resquícios
de má poesia que ele estabelece.
Todos os homens; manhã cedo,
enchem os comboios, levam ao ombro
a refeição que a mulher lhes preparou,
e respiram as últimas sombras do sono,
lá fora a linha do horizonte, vincada
pelo nevoeiro e pelas luzes das fábricas.
Não há sonhos na cabeça destes homens,
quando muito a força da ressaca
rebatendo na margem da obrigação.
Todo o homem, resignado ao vício,
retarda a sua entrada ao trabalho
como o faz na vida; as vias de acesso
constrangidas pela maralha matinal
e sobretudo pelo cheiro do fracasso.
Todo o homem resiste a oferecer a alma
a diabos menos espirituosos do que aqueles
que o controlam; nada de poesia, artifício,
sombras femininas, malditas, um rito justo
e uma aposta noutro sonho
que não seja contrariar o despejo final.
Todo o homem precisa de um prejuízo
que possa declarar às finanças,
restituir o corpo a um deus que não seja
cego, surdo e mudo.
Todo o homem falha.
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