No conforto dos centros comerciais
E das conversas que ali têm lugar,
A mundana perversidade da comunicação
Não é um conceito desprovido de sentido;
É a ilusão que permite que crianças e velhos
Se cruzem num permanente desconhecimento
Dos factos mais básicos do funcionamento
Destes espaços de absoluta desolação.
Seria assim, portanto:
Numa mesa ao lado escuto; num sussurro
De dentes os amores de uma adolescente
Que pensa ter a forma concreta do barro
Dominada entre mãos. Bebe café e fuma um cigarro
Desajeitado e sorri de um canto obscuro
Ao rapaz de camisola escura que ri em frente,
Contra o sol da tarde. A amiga, quase bela,
Na margem de um tempo que lhe acena
A juventude, ouve as palavras e
Pensa numa história que apenas pode ser
Calada nos quartos despovoados da adolescência.
E do nada, ela aparece. Diziam-me ser assim,
Repentina. Não tanto como o golpe do lenço
Cobrindo a memória dos cabelos, uma punção
Leve por trás do estômago, perfurando o seu caminho até
Ao miolo da coluna vertebral. Os cabelos,
Cobrindo a vergonha da sua boca no sexo.
Sem pinga de pudor, a imagem acendendo-se sobre
A outra imagem do presente. A moldura dos cabelos
Que já não estão lá, e aquele orgulho de
Palavras que se querem dizer mas que não são permitidas.
Eu, agora confesso que, se acabei por fugir a um contacto
Tão furtivo com o passado, estive quase
A dar o flanco e a enfrentar a história
Definitiva que me queriam contar. Ainda assim, não.
Quem me poderá censurar a finta que fiz à
Morte? O presente é como uma boa jogada de
Futebol: nasce do acaso e da fuga. No lento
Tango dos centros comerciais, Bach
Não é uma apenas um conjunto de circunstâncias:
Preenche o espaço que lhe é dado pela defesa adversária.
Variação e disparo em direcção à baliza contrária.
Etiquetas: Poemas