Tudo o que vale a pena não está aqui.



Tarde oblíqua


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Que coisas, as necessárias,
As fundamentais, para que se possa medir
Com exactidão a forma fluida da vida?

Imagina:
Uma esplanada mergulhada na tarde,
Ou os braços estendidos em direcção ao sol,
Enquanto saltavas sobre a corda: movimento fixo ao eixo do tempo.
Falando de assuntos vulgares, e eu julgava
Que a beleza não podia ser tão simples.
O vapor do suor a dez centímetros de distância,
Depois do jogo de basquete – bola na mão,
Depois no chão, depois na mão novamente,
Impacto após impacto cavando um fosso profundo
Entre mim e os meus adversários. Não sabia que pensar – maldita
Incerteza. Ainda hoje, de resto, olho para ti sentada
À frente do sol e não sei.
Enquanto levas a chávena à boca, recuso pensar em
Sémen, palavra usada em doses generosas
Pela poesia portuguesa recente, e opto pelo absurdo
De achar que tão facilmente bebes o café
Como eu esvazio a cabeça; continua
A estremecer, como há quarenta anos atrás, com o
Conhecimento do mundo.

O pacote de açúcar meio-cheio; os óculos
Pousados junto ao rebordo da mesa; a carteira
Manchada da gordura das batatas fritas do almoço,
Os teus apontamentos escritos numa letra miudinha
E irregular; as chaves de casa, retiradas num impulso
Da mala; os cd’s à espera de serem ouvidos;
E um rascunho no ar, volátil,
Muito breve e muito inacabado, daquele dia
Em que ambos lembrámos
O jogo renhido de basquete.
Mas talvez não estivesses já, e à minha frente
Se estendesse o dia, lentamente recolhido pela noite
Ao ritmo das mãos rápidas e sem nojo dos empregados
Camarários que empurravam o lixo dentro dos caixotes.

A chávena, vazia, vigiando a repetição de tudo.

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